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MONOGRAFIAS MAÇÔNICAS

pelo Ven.Irmão WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO 33


DISCUSSÕES BÍBLICAS: BOOZ OU BOAZ?


 

As discussões bíblicas sempre ocuparam um lugar de destaque nas minhas elocubrações intelectuais. Possuo a Bíblia em mais de 15 línguas, do hebraico ao coreano, passando pelo esperanto e pelo afrikaner. Há uns 10 anos atrás, depois de velho, comecei a estudar hebraico para tentar ler no original o Antigo Testamento.

Sempre me intrigou a divergência sobre a palavra Booz ou Boaz, citada várias vezes em inúmeros livros da Bíblia. 25 no Antigo Testamento e 2 no Novo Testamento. Pela minha Concordância Bíblica (Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília: 1975, pg. 107) são 21 citações em Rute, uma em 1 Reis, 2 em Primeiro Crônicas, 1 em Segundo Crônicas, 1 em Mateus e 1 em Lucas. Para efeitos de simplificação vou considerar somente Rute (Rt 2,1) e o nome de um par de colunas que se encontrava na frente do templo de Salomão (1 Rs 7,21).

O livro de Rute tem como subtítulo Rute nos Campos de Booz (ou Boaz dependendo da versão): “Noemi tinha um parente por parte de seu marido, pessoa importante, do clã de Elimelec, cujo nome era Booz”, Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Ed. Paulinas, 1980, pg. 415. Em latim da Vulgata: “erat autem vir Helimelech consanguineus homo potens et magnarum opum nomine Booz”, Bíblia Sacra – Iuxta Vulgatam Versionem, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1983, pg. 359.

O livro de 1 Reis: “Ergueu as colunas diante do pórtico do santuário; ergueu a coluna do lado direito, à qual deu o nome de Jaquin; ergueu a coluna da esquerda e chamou Booz (ou Boaz)”, Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Ed. Paulinas, 1980, pg. 518. Em latim da Vulgata: “et statiot duas columnas in porticum in porticum templi cunque statuisset columnam dexteram vocavit nomen eius Iachin similiter erexit columnam secundam et vocavit nomen eius Booz”, Bíblia Sacra – Iuxta Vulgatam Versionem, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1983, pg. 468.

            Depois de uns 4 meses de aula perguntei à minha professora Zahava de hebraico o que era בֹּעַז(leia-se obviamente da esquerda para a direita com os sinais massoréticos criados pelos estudiosos judeus a partir do século VIIº d. C. para ajudar a grafar as informações transmitidas oralmente) e ela singelamente me disse: Boaz. Ai foi a minha vez de novamente perguntar: o que significa Booz? Ela espantada: o que é isso? Retruquei que era uma forma alternativa para a palavra Boaz. Ela riu e me disse: Isso não é hebraico, pois nele não existem vogais [somente os sinais massoréticos] e muito menos dobra de vogais, a não ser em nomes próprios ou estrangeirismos.

            A Bíblia Hebraica apresenta a seguinte transcrição no livro de Rute 2,1 (ler da direta para a esquerda e de baixo para cima):


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            A citação de 1 Reis 7,21 é a seguinte:


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            Resolvida a questão com a dona da língua, passei a tentar entender por que o Booz (corrupção da palavra Boaz) penetrou no Ocidente. Entrei em contato com a Bíblia de Jerusalém, reputada de ter os maiores exegetas e conhecedores da Bíblia no mundo, em Paris, pois nos seus textos bíblicos sempre empregou a palavra Booz. 

            Encontrei um especialista de erudição beneditina e lhe perguntei: qual é o certo Boaz ou Booz? Respondeu-me serenamente: claro que é Boaz. Retruquei na hora: por que a Bíblia de Jerusalém emprega a palavra errada ou corrompida: Booz? Ao que candidamente me respondeu: dado que São Jerônimo traduziu a Bíblia para o latim como Booz, a Igreja manteve a tradição até os dias atuais...

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            Como é de conhecimento geral, São Jerônimo terminou a versão denominada Vulgada da Bíblia, em latim, traduzido do grego e do hebraico, no ano 405  d.C. Era para os cristãos desde então, a versão universal da Bíblia até a Reforma quando Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, rompendo com o monopólio católico e da língua latina.

            A tradução de Lutero para os dois textos acima já emprega o Boaz.

            Veja-se o título do capítulo dois de Rute: “Rut liest Ähren auf dem Feld des Boaz” e a citação: “Es war aber ein Mann, ein Verwandter des Mannes der Noomi, von dem Geschlecht Elimelechs, mit Namen Boaz; der war ein angesehener Mann”, Die Bibel nach Martin Luthers übersetzung, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1985, pg. 281.

            O texto de 1 Rs 7,21 é: “Und er richtete die Säulen auf vor der Vorhalle des Tempels; die er zur rechten Hand setzte, nannte er Jachin, und die er zur linken Hand setzte, nannte er Boas“, Die Bibel nach Martin Luthers übersetzung, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1985, pg. 359.

            A versão inglesa do Rei James (Kings James Version – KJV) mantém o Boaz já que os protestantes não tinham por que manter a tradição de São Jerônimo. O capítulo de Rute apresenta no título a seguinte versão: “Ruth Works in the Field of Boaz” e o versículo é o seguinte: “And Naomi had a kinsman of her husband's, a mighty man of wealth, of the family of Elimelech; and his name was Boaz”, Bible KJV.

            O versículo de 1 Reis 7,21 é o seguinte: “And he set up the pillars in the porch of the temple: and he set up the right pillar, and called the name thereof Jachin: and he set up the left pillar, and he called the name thereof Boaz”, Bible KJV.

            A versão portuguesa da Biblia traduzido por João Ferreira de Almeida reza: “Tinha Noemi um parente de seu marido, senhor de muitos bens, da família de Elimeleque; o qual se chamava Boaz”, Bíblia, Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília, 1969, pg. 288.

            O versículo de Reis é o seguinte: “Depois levantou as colunas no pórtico do templo, tendo levantado a coluna direita, chamou-lhe Jaquim; e tendo levantado a coluna esquerda, chamou-lhe Boaz”, Bíblia, Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília, 1969, pg. 365.

            Conclusão: o correto é a palavra Boaz, visto que pelo exposto, a vertente católica da Bíblia usa o Booz numa homenagem tradicional a São Jerônimo; os protestantes, principalmente os anglo-saxônicos e germânicos por não terem a carga da tradição, usam a palavra certa.

 

 

EPÍLOGO MAÇÔNICO

 

            Em época de globalização já é tempo da maçonaria brasileira ver o que acontece no resto do mundo em relação às colunas do Templo de Salomão: Boaz e Jakin. Não há mais desculpas de erros elementares depois da Internet.

            O primeiro ritual maçônico publicado no mundo de forma clandestina que causou comoção foi Masonry Dissected  de Samuel Prichard em 1730. Na página 18 desse repositório de informações do século XVIII está lá a palavra em letra maiúscula: BOAZ[i].

            Ainda no século XVIII, os maçons ingleses, com o clássico Three Distinct Knocks (Três Batidas Distintas) de 1760, já diziam: “the senior and junior Warden have each of them a Column in their Hand, about Twenty Inches long, which represents the two Columns of the Porch at Solomon´s Temple. Boaz and Jachin”[ii].

            Dois anos depois em 1762, o best seller que desvendou os mistérios dos modernos trazia no seu título, em letras garrafais, o recado: Jakin and Boaz[iii].

Em seguida, os franceses, já agora no século XIX também atacam de Boaz. Possuo uma série de Thuileurs (Rituais) franceses do século XVIII e XIX, sendo que o mais famoso e raro é o de Delaunaye[iv] que apresenta diversas palavras em hebraico com o nome corrompido e o nome retificado:

 

Noms corrompus         Noms rectifiés                  Leur signification     

       BOOZ                       BOHAZ                             en Force

 

            Os ingleses desconhecem o Booz que é uma invenção, como se viu acima da Igreja Católica. Desconheço algum livro anglo-saxônico que empregue a palavra Booz. Agora em tempos mais recente, o clássico Bernard E. Jones, uma das maiores autoridades inglesas em maçonaria afirma que: “the pillar was named after Boaz...”[v].

            Os norte-americanos, a começar pelo controverso Albert Pike, também desconhecem o que é Booz. O erudito Pike no seu clássico Moral and Dogma pontifica: ”the word Boaz is בעז".[vi]

            Ainda nos norte-americanos, suas duas melhores enciclopédias sobre assuntos maçônicos desconhecem a palavra Booz. Robert Mackey na sua Enciclopédia de Maçonaria, no verbete Boaz (inexiste o Booz) declara que: “Boaz. The name of the left hand pillar that stood at the porch of King Solomon´s Temple”[vii]. Henry Wilson Coil no seu afamado Coil´s Masonic Encyclopedia no verbete Boaz que faz remissão aos Pillars and Columns apresenta o seguinte verbete: The Two Pilllars or Columns, Jachin and Boaz, with their Pannels[viii]

            A revista Philalethes da Sociedade Philalethes nos EUA fundada em 1928 e que congrega os estudiosos da maçonaria norte-americana também só usa Boaz conforme se observa no artigo sobre “The Great Pillar” do Ir. Harry L. Haywood: “the names 'jachin' and 'boaz' by which the two pillars at Solomon's Temple were known, were in each instance a Hebrew form of those old Semitic root-terms. The Hebrews had their own language, religion, culture, but they all had come to them by inheritance, to a large extent, from the older peoples of the Near East, just as our own language, religion, and culture, thought it is peculiarly our own, came to us from Europe and Britain”[ix].

            Harry Carr, o José Castellani britânico, apresenta várias citações com Boaz e nenhuma com Booz.

            A maior e mais antiga Loja de Pesquisas Maçônicas do mundo, a Quatuor Coronati de Londres publicou até hoje 118 volumes dos seus Ars Quatuor Coronatorum, iniciados em 1886. Compulsando o índice geral de minha coleção completa anotei mais de 20 citações sobre Boaz e nenhuma sobre Booz. 

            E para terminar, os modernos acadêmicos maçons franceses também atacam de Boaz. Daniel Ligou no seu Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie no verbete Boaz: “Seconde colonne du Temple que l´on traduit généralement par ‘dans la force’. Sur le symbolisme general.Cf; Colomne, Temple”[x]. 

            Todas as Bíblias maçônicas nos EUA, que são versões do Rei James (KJV), constam a palavra Boaz.


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    Cortesia do Ir. Rui Silva, ex-Secretario Adjunto de Relações Exteriores do GOB que mora nos EUA

 

Booz: Sic transit gloria mundi... e requiescat in pace... 



[i] Prichard, Samuel. Masonry dissected. London: Wilford, 1730 in Carr, Henry. World of Freemansonry. London: Lewis Masonic, 1985.

[ii] W__ O__ V__n, The Three Distinct Knocks, H. Srjeant, London, MDCCLX. Montana: reprint by Kessinger Publishing Company, 1992.

[iii] ANÔNIMO. Jakin and Boaz. London: MDCCLXII. Montana: Reprint by Kessinger Publishing Company, 1992.

[iv] Delaulnaye. Thuileur dês Trente Trois Degrés de L´Écossisme. Editons D´Aujouird´hui. Paris: 1979.  Reimpressão em facsímile da edição histórica de 1821. Paris, pg. 370.

[v] Jones, Bernard E. Freemasons´ Guide and Compendium. Londres: Harrap, 1988, pg. 358.

[vi] Pike, Albert. Moral and Dogma. Charleston. A.D. 5641, pg. 9.

[vii] Mackey, Robert G. Encyclopedia of Freemasonry, Vol. II, Montana: reprint by Kessinger Publisching Company, pg. 134

[viii] Coil, Henry Wilson. Coil´s Masonic Encyclopedia. Richmond: Macoy Publishing & Masonic Supply Co., 1995, pg. 476.

[ix] Haywood, Harry L. The Great Pillar. The Philalethes. Oct.Nov. 1947.

[x] Ligou, Daniel. Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie. Paris: Presses Universitaires de France, 1998, pg. 150.